Global Journal of Human-Social Science, A: Arts and Humanities, Volume 21 Issue 12

política e jurídica de um corpo político que funcionava a partir da igualdade política e jurídica. Mas de outro lado, esta emancipação foi acompanhada de privilégios específicos acordados aos Judeus ricos. Significou, portanto, a igualdade e o privilégio, a destruição da antiga comunidade judia, e, ao mesmo tempo, a conservação dos Judeus enquanto grupo fora da sociedade pela relações de privilégio com o Estado. Na sua argumentação, Arendt estende esta situação ambígua dos judeus ao conjunto da sociedade, isto é, os limites da emancipação política dos judeus são os limites da emancipação política da sociedade moderna: “A igualdade de condições, no sentido onde os Jacobinos a entenderam durante a Revolução Francesa, somente se tornou uma realidade na América, enquanto que na Europa foi substituída imediatamente por uma igualdade da pura forma, a igualdade diante da lei.” (Arendt, 2002c, p. 35) A proximidade com a análise de Marx em Sobre a questão judaica é evidente, pois referencia esta insuficiência da emancipação política nas desigualdades sociais das sociedades burguesas. “As inultrapassáveis desigualdades sociais, e o fato que um indivíduo, sobre o continente Europeu, e até a Primeira Guerra Mundial, pertencia a uma classe quase pelo direito de nascimento, era incompatível com a igualdade política.” (Arendt, 2002c, p. 36). Contudo, a inscrição do Judeu na divisão entre Estado e sociedade civil burguesa é somente metodológica, porque factualmente os Judeus não pertencem à estrutura de classes das sociedades modernas com seu desenvolvimento capitalista, pois são um grupo à parte. Nas OT, Arendt explica que os judeus se definem como judeus, e não pela sua relação com outras classes da sociedade, e a proteção social que eles receberam decorre da sua relação com o Estado e os serviços que os impediam de aceder ao sistema de classes. Daí sua condição similar à da Nobreza, classe por excelência expressão do atraso. E daí também o porque da autora tratar do problema da emancipação social dos Judeus tomando em conta a esfera ideológica da Bildung, dada sua hegemonia sob o impacto da cultura da aufklarung na “miséria alemã”. Esta relação de privilégio com o Estado se exponenciou após a Revolução Francesa, de modo que no século XVIII nas principais centros capitalistas europeus os judeus foram emancipados ao mesmo tempo que se tornaram os grandes credores do Estad o 11 11 Esta marcação da história dos Judeus na Revolução Francesa é importante também porque em relação a ela Arendt apreende a ausência de emancipação política dos Judeus nos países atrasados socialmente e onde os judeus não eram um grupo capaz de dotar o Estado de recursos financeiros, como foi o caso dos banqueiros Rothschild com a Santa Aliança a partir de 1815 (Arendt, 2002c, p. 58). . Arendt identifica no Crédito Judeu o Capital Financeiro através do qual o Estado Nação se desenvolveu, espécie de simbiose entre a alta finança que sempre acompanhou o desenvolvimento capitalista nas grandes cidades, e o Estado Naçã o 12 IV. S urgimento do A nti- S emitismo . Como pensar o Império Austro-Húngaro sem o crédito judaico, que permitia que os judeus gozassem de liberdades civis em Viena? Esta associação do capital financeiro judeu com o desenvolvimento do Estado é fundamental na análise de Arendt, e sem esta consideração nós não compreendemos o porque o anti-semitismo se tornou uma ideologia política contraposta ao universalismo das Luzes, e, como que uma Reação plantada no seu interior. Pois é assim que Arendt apreende o nexo histórico conceitual do anti-semitismo com a Revolução. Isto é, nasceu nos Estados atrasados que sofreram o abalo da Revolução. Sobretudo nesta Alemanha cuja Reação contra as guerras napoleônicas decorria das reformas que tornou possível que a Prússia se tornasse um Estado-Nação moderno que tratasse os judeus em condição de igualdade, condição advinda somente com o Reich de 1871 . 13 Nas condições de atraso político, em que a Nação ainda não é definida, importando somente a esfera da cultura e da hegemonia intelectual, vicejou um discurso anti-semita em resposta ao Édito de 1812 dos “reformadores” proveniente de uma aristocracia que passou a atacar os Judeus como grupo privilegiado. Decorre, portanto, da Reação no contexto das guerras napoleônicas, quando as revoluções pelo alto procuravam dar luz a uma nova hegemonia cultural após o abalo representado pela Revolução. Isto é, na explicação de Arendt, cujo parentesco com a de Gramsci me parece crucial, a origem do anti-semitismo moderno como ideologia política deve ser creditada na Aristocracia, que passou a atacar abertamente o Estado Nacional que tratava todos em condição de igualdade. O ataque dirigido ao Estado se voltada ao Judeu ao mesmo tempo; conjuntamente, os valores de classe Isto é, nesta Prússia influenciada pelo espírito das Luzes, em que pese os limites da emancipação, ao judeu era reconhecido as melhores condições de vida e de instrução em um Estado de uma administração burocrática que não tolerava mais privilégios e distinções. 12 Recapitulando Marx em A Questão Judaica : “A letra de câmbio é o deus real do judeu. Seu deus não passa de uma letra de câmbio ilusória.” (Marx, 2012, p. 58) 13 Para o surgimento do II Reich, ponto de inflexão na curva do antisemitismo, ver a análise clássica de Engels, já mencionada. Op. Cit. Para a mudança de ideologia representada pelo II Império, assim como sobre a formação do II Reich como retomada do “vieux rêve” de um Império Universal, ver La reforme intellecuelle et morale, Paris, Ed. Complexe, 1990, pp. 132-142. Volume XXI Issue XII Version I 6 ( ) Global Journal of Human Social Science - Year 2021 A © 2021 Global Journals Método e Questão Judaica em Hannah Arendt

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