Global Journal of Human-Social Science, A: Arts and Humanities, Volume 21 Issue 12

explicação de Marx, sua emancipação social traduziria ao mesmo tempo a emancipação da sociedade inteira, na explicação de Arendt. Sobre este último ponto, é o caso de evocarmos o raciocínio sociológico de Nobert Elias, para quem o homem da Bildung correspondia a classe média em ascensão através da educação humanista, para quem a cultura representa a retirada e a liberdade das pressões do Estado que conferia a posição de segunda classe a cidadãos comparado a nobreza que negava à classe média o acesso as posições de liderança no Estado e suas responsabilidades, ao poder e prestígio associado a estas posiçõe s 16 . Este dilema da classe média, que, modernizando-se culturalmente através da educação, ao mesmo tempo permanecia atolada ainda no atraso alemão que perduraria ainda até o século XIX e XX, uma oposição que recobre desde o século XVIII a distinção entre cultura e civilização, na análise clássica de Elias, entre a classe média educada com seu sentido de acabamento e realização, e a civilização como símbolo dos príncipes e cortes das classes elevadas. Para os judeus, retornando ao livro 1 das OT, a sociedade exigia do judeu que ele se educasse o suficiente para não assemelhar-se aos judeus ordinários, ao mesmo tempo que somente os aceitava em razão da qualidade exótica dos judeus. Neste cenário de atraso a burguesia era incapaz de prover a cultura no sentido de uma formação ( Bildung ), não sendo gratuita a razão pela qual o romance de Goethe Wilhelm Meister tornou-se a expressão da educação do judeu e da educação do alemão de classe média: o herói do romance é formado por aristocratas e atores, e a educação equivalia a transformar o burguês no aristocrata. O que significava na verdade que os Junkers prussianos que não se interessavam de maneira alguma à cultura, empregavam na educação dos seus filhos preceptores burgueses geniais e mortos de fome vivendo na estreiteza de uma sociedade atrasada (Arantes, 2003). Educada por aristocratas e atores, as classes médias deveriam ser capazes de apresentar e representar sua personalidade. (Arendt, 2002c, p. 112 e pp. 226-227.) Para os judeus e a classe média, tal era a condição da sua aceitação social, a capacidade de expressar sua personalidade, e de jogar seu próprio papel, razão pela qual Arendt vai consagrar uma importante discussão sobre o salão de Berlim como protótipo deste modo de expressão do talento e da personalidade. (Arendt, 2002c, p. 113 ) 17 16 N. Elias, “History of Culture and ‘Political History”, op. cit. p. 1 27. . Designa os 17 Arendt põe o Wilhelm Meister de Goethe como exemplo de educação das classes médias, onde o jovem burguês é educado por aristocratas e atos. O jovem deve ser capaz de representar sua personalidade, e finalmente passar do estado de filho de burguês para aquele de aristocrata. op. cit. p. 112, reproduzindo assim, para seguir a análise de Benjamin, as condições de atraso em um país incapaz de encontrar uma burguesia que liderasse uma real tempos modernos de Berlim como sociedade burguesa, onde um lugar de conversação sobre temas literários e políticos vai passar a funcionar como expressão da cultura do moderno na Berlim do Segundo Impéri o 18 Isto é, sobre os dilemas da emancipação social dos judeus, e também da sociedade alemã em geral, Arendt pensa a questão judaica tomando como referência o conceito de Bildung (formação), processo tipicamente alemão . . Era a sociabilidade na forma da arte, em que a sociabilidade repousa sobre as personalidades que exalam uma cultura subjetiva, no qual os indivíduos somente contam pelo que eles são espiritualmente, e onde o dinheiro não penetra na sociabilidade, espécie de último reduto da cultura face a uma sociedade civil burguesa em desenvolvimento. (idem) 19 mudança. Esta condição caracteriza o judeu e as classes médias na Alemanha, onde a educação era vista como forma de emancipação numa sociedade atrasada e não-nacional. A virada deste paradigma da Ilustração, “uma verdadeira virada”, (Arendt, 2002c, p. 113), como diz Arendt, adveio com a derrota da Prússia em 1808 diante do Império Napoleônico, que concede aos judeus direitos cívicos mas não políticos aos judeus após os Tratados de Paz, tratados que na verdade legalizavam a condição de privilégio usufruída pelos judeus de Berlim, e cuja extensão com os editos de emancipação em 1812, seria finalmente sucedida pela sua revogação após a queda de Napoleão, quando a extensão dos direitos cívicos aos judeus pobres seria alcançada. Além da referência de Lucaks já evocada para as análises do Wilhelm Meister de Goethe como obra que retrata o conflito do herói com a realidade social na época do classicismo alemão, uma contradição cuja reconciliação se faz por tortuosos caminhos, (Lucaks, 2000, p. 139), ver ainda W. Benjamin, Ensaios Reunidos: Escritos sobre Goethe, São Paulo, Ed. 34, 2018, onde Os anos de aprendizado de Wilhelm Meistter , é cararcterizado pela “permanência hesitante de Goethe nos vestíbulos do Idealismo, no humanismo alemão, que ele transpôe mais tarde na direção de um humanismo ecumênico. O ideal dos Anos de aprendizado – a formação – e o meio social do herói – os comediantes – estão na verdade intimamente interligados, são ambos expoentes daquele domínio intelectual especificamente alemão da ‘bela aparência’, que não tinha muito a dizer à burguesia ocidental em processo de ascensão ao poder.” pp. 158-159. 18 Para uma relação das personalidades que frequentavam os Salões de Berlim, assim como uma exposição de G. Simmel sobre os mesmos, ver L. Waizbort, As Aventuras de Georg Simmel , SP, Ed. 34, 2000, pp. 446-448. Entre os quais destaca-se naturalmente o Salão de Rahel, analisado por Arendt (Arendt, 2002c, p. 113). Sua formulação lapidar encontra-se em Rahel Vanhagem – a vida de uma judia alemã na época do romantismo, RJ, Relume Dumará, 2004. Um comentário desta obra com sua devida articulação com os trabalhos de Arendt sobre o classicismo alemão, “A questão judaica, sob a sua forma moderna, é contemporânea da Aufklarung”, como diz Arendt, (Arendt, 2007, p. 117) pode ser encontrado em Paulo Arantes, “Uma irresistível vocação para cultivar a própria personalidade” (Parte I), Trans/Form/Ação, São Paulo, 26(1): 7-51, 2003 p. 9-13, que, de resto, possui comentários esclarecedores sobre os Anos de aprendizado. Na esfera da sociedade civil, a 19 19 L. Dumont remete o cerne desta relação aos contornos da formação alemã, onde o intelectual vira as costas para a sociedade civil, e, ao mesmo tempo, na sua vida interior, ele se pensa como um indivíduo e consagra todos os cuidados ao desenvolvimento da sua personalidade. O ideal da Bildung corresponde a este processo, antes de tudo dual, pois, antes de tudo, corresponde a um processo ideológico onde a sobrevivência do ideal de comunidade é Volume XXI Issue XII Version I 8 ( ) Global Journal of Human Social Science - Year 2021 A © 2021 Global Journals Método e Questão Judaica em Hannah Arendt

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