Global Journal of Human-Social Science, B: Geography, Environmental Science and Disaster Management, Volume 23 Issue 6
Claúdio de Lima Vaz, a ética — com a filosofia moderna — trata da prática social, enquanto a moral da prática individual. A moral tem conteúdo mais subjetivo, enquanto a ética reflete sobre a realidade social dos costumes (LIMA VAZ, 1999). Credita-se que existe uma geografia moral desde o início de um fazer geográfico, mesmo em uma geografia pré-científica, passando pela geografia moderna etc. Vários são os autores que levaram sua moral para sua própria obra, seja através da ideia de ciência, da ideia de progresso ou de outros valores impregnados na maneira de ser e de viver. Um exemplo marcante para a ciência geográfica é o do alemão Friedrich Ratzel e sua geopolítica expansionista, interligando a ideia de progresso à expansão territorial do Estado. Segundo Ratzel, “um Pueblo retrocede mientras perde terreno” (RATZEL, apud MENDONÇA; JIMÉNEZ; CANTERO, 1988, p. 194), haja vista seus conceitos de civilização superior e/ou estágio de barbárie. A ideia de uma Geografia Moral e Ética envolve a fricção entre bem e mal, o certo e errado, vícios e virtudes, justo e injusto, contudo, é uma discussão que incorpora não apenas o que é a realidade, mas como deveria ser, e esse foi o desafio de Karl Marx, continuado por David Harvey: criar uma nova moral, liberada da alienação moral que vive a sociedade dominada pela racionalidade capitalista. A ideia de uma moral e ética geográfica é bem mais antiga do que a Geografia Moral e Ética. Quanto a primeira, entende-se que de certo modo permeia no fazer geográfico uma dada moral e ética, pois ela é histórica e revela valores do seu contexto socioespacial, já a segunda é uma tentativa explícita e mais organizada para estudar certos temas, antes poucos tratados. É possível encontrar primórdios de uma geografia moral na contribuição de Immanuel Kant ao analisar os costumes e características de pessoas de diferentes regiões (PROCTOR; SMITH, 1999; LIMA, 2020). Tuan, em seu artigo intitulado “Sobre a Geografia Moral” (1988), cita Carl Sauer e faz referência a perspectiva moral de sua geografia cultural e humanista. Como estudo mais explícito, melhor elaborado e enfático, deve-se a renovação da geografia (conhecida como geografia crítica surgida no final dos anos 1960). Neste âmbito, é exemplar o trabalho de David Harvey em Justiça Social e a Cidade. Posteriormente houveram reações com a geografia humanista, exemplos dos trabalhos de Anne Buttimer (1974) e Tuan (1988), entretanto, nos anos 1970 e 1980, segundo Smith (1997), publicações com foco explicitamente moral foram poucas (Buttimer, 1974; Harvey, 1973; Smith, 1977; Tuan, 1986, 1989). Há uma ampliação do debate nos anos 1980 e 2000, como atesta a coletânea de James Proctor e David Smith (1999), com destaque para Justice, Nature and the Geography of Difference (1996) de David Harvey e Homo Geographicus de Robert David Sack´s (1997), e mais recentemente o que Smith nomeia de uma virada moral na geografia (SMITH, 1997). O que este trabalho quer tratar é sobre a geografia moral de David Harvey e isso envolve demonstrar, na nossa leitura, qual comportamento é aceitável e qual deve ser evitado. Assim, torna-se útil para o leitor e para este trabalho identificar — através do problema da justiça e da injustiça — o conteúdo moral em torno das questões levantadas pelo autor em diversas obras. A justiça como recorte conceitual é consequência da atenção já realizada entre geógrafos radicais e também por ser um conceito que expressa o diálogo sobre valor, parcialidade e “imparcialidade” nas avalições. Este artigo estrutura-se em três partes, além desta introdução e das considerações finais. Na primeira, apontar-se-á a principal ideia de justiça dentro da perspectiva liberal e seu processo de transição para formulações socialistas. Na segunda, revelam-se as observações sobre as injustiças provocadas no processo de urbanização promovida no seio do capitalismo. A terceira aponta para a ideia do direito à cidade e as soluções para a revolução urbana, culminando com o quadro interpretativ o 1 II. J ustiça S ocial e a C idade na F ormulação L iberal de D avid H arvey e propositivo das ideias de David Harvey. David Harvey nasceu em 1935 no Reino Unido, é geógrafo de formação com doutorado em Cambridge no ano de 1961. Desde a década de 1970 até os dias atuais sua obra analisa a produção do espaço urbano com viés econômico no mundo capitalista. Elaborou a teoria do desenvolvimento geográfico desigual, além disso esclareceu e divulgou as ideias de Karl Marx. Em 1995 firmou reconhecimento internacional com o Prêmio Vautrin Lud da Geografia; autor de mais de 20 livros, já esteve diversas vezes no Brasil e suas ideias, de certo modo, influenciam universitários e alguns movimentos sociais. Segundo Paul Claval (2013), a bem-sucedida empreitada de Harvey deve-se a sua interpretação das crises do capitalismo financeiro. Existe um reconhecimento entre os geógrafos de que sua obra “Justiça Social e a Cidade”, publicada em 1973, foi um marco fundamental para o surgimento de uma Geografia renovada. O percurso de Harvey é interessante. Após ter publicado, em 1969, “Explanation in Geography”, que alcançou certo prestígio dentro da geografia, ainda vinculado ao método neopositivista, o autor reconheceu a necessidade de explorar outros 1 Este quadro foi elaborado com base na análise de conteúdo de Bardin (2011), o qual nos promoveu, sob a técnica da análise, a elaboração do núcleo de sentido. Volume XXIII Issue VI Version I 2 ( ) Global Journal of Human Social Science - Year 2023 © 2023 Global Journals B David Harvey’s Moral Geography
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