Global Journal of Human Social Science, C: Sociology and Culture, Volume 23 Issue 3
A escola de samba começou, é... tinham pessoas que gostavam muito de samba, como Devalci, que já faleceu, tinha o Bilé e eles resolveram então que iam fazer, arrumar essa escola de samba. Aí a gente ia, saía do serviço, chegava em casa cansada e ia lá pro outro lado da BR, que era lá que eram os ensaios. Galpão não! Era na rua mesmo! É porque era muito, era pouco transitada, até na rua onde que mora o... acho que era na Rafael Barbizan, acho que é na Rafael Barbizan. Então tinha pouco movimento naquela época. Então juntava todo mundo e ia pra lá e a gente ficava ensaiando na rua, entendeu? Eu ia mesmo pra tá ajudando a ensaiar as crianças, as coreografias, acompanhar direitinho, pra organização. Aí eu fui, eu acho que uns dois ou três anos, eu fui ajudando. É... quando foi no último ano, que teve o desfile, teve... eu não tenho muita lembrança, mas parece que teve um ano que nós ficamos em segundo lugar [...]No Centro de Betim! A gente desfilava. É. O desfile saía lá onde era a antiga barreira, na avenida Bandeirantes, lá em cima? (E) (Entrevista realizada em abril de 2019). O carnaval se constituía como momento de encontro entre diferentes e de apropriação dos mesmos espaços da cidade, que são relatados pelos moradores do Citrolândia como uma oportunidade de “fazer parte” e, quem sabe, “ser reconhecido” pelos demais moradores da cidade. Que a escola de samba do Citrolândia fazia apresentação no Centro de Betim, era uma das escolas das melhores. É... mas o Sete de setembro, por exemplo, a gente fazia, era interno né ? Não participava lá. Então é... mas tinha, existia esse preconceito. Que não era pela violência na época, era por causa da hanseníase ainda (L) (Entrevista realizada em junho de 2019). A expressão “era das melhores em Betim” traduz os sentidos positivos do lugar em relação à cidade, construídos coletivamente e registrados na história e na memória de seus habitantes. A questão da violência já aparece no relato, que destaca a relação com a doença como a causa inicial para as práticas discriminatórias: “não era pela violência”. O habitante do Citrolândia, ao ter a experiência de viver no lugar que é o objeto da análise, partirá de outros parâmetros para designar o espaço, não se restringindo à visão externa, mais comumente retratada: “Eu vou falar mal do bairro que eu moro? Tem problema? Eu sei que tem. Não vou falar porque é mentira. Sei. Então... mas aí o Citrolândia é violento. Me aponta um bairro de Betim que não é violento. Se você me apontar...” (C) (Entrevista realizada em abril de 2019). O morador parte, deste modo, de um discurso comparativo entre os bairros e as regiões da cidade de Betim, ao questionar-se quanto a presença da violência em relação aos demais territórios da cidade. Hoje eu fico por aqui mesmo, onde eu conheço todo mundo porque o pessoal às vezes fala pra mudar, pra sair daqui por causa de violência, por causa de, mas violência tá em todo lugar. Então aqui pelo menos aqui as pessoas me conhecem. E eu conheço as pessoas! Não. Eu acho. Eu acho que é um lugar violento. Eu acho. Hoje tá bem mais tranquilo, mas aqui já foi um lugar muito violento entendeu? Depois que veio essa tal dessa, da droga, essas coisas, muda né ? Ah eu acho que foi... foi quando começou os anos 1990 que começou a ficar... aparecer mais as coisas sabe? Porque antes não. Era muita tranquilidade, saía pra estudar, chegava quase meia noite, sem medo de nada, sozinha, sabe? Sem problema nenhum! (E) (Entrevista realizada em abril de 2019). O imaginário do medo, mais do que a experiência efetiva de ser afetado por alguma prática associada à criminalidade, se robustece entre os habitantes que passam a reproduzir em seus relatos a imagem tão combatida de lugar perigoso atribuído ao Citrolândia. Ademais as mudanças nas formas de sociabilidade, que se sucederam na sociedade moderna, também impactaram nas relações entre os habitantes. A gente ia longe e assim, mas as amizades eram mais sadias. O pessoal era mais amigo. Entendeu? Era um pessoal assim que, era aquele uma coisa de roça, todo mundo vai na casa de todo mundo, todo mundo senta na porta de todo mundo. Entendeu? Hoje em dia que a gente de vez em quando senta aí fora, mas a gente tinha muito esse hábito de sentar na porta da casa, é coisa de interior né? Só que quando veio chegando, essa tal dessa, essa violência, a gente foi entrando, voltando pra dentro de casa. A gente não vai muito pra rua. Apesar que eu, hoje em dia, falo assim: a rua aqui é uma tranquilidade... Tem hora que você abre, chega na janela aqui à noite os olhos, não passa uma pessoa. É tranquilo, tranquilo! Mas...assim ficou um lugar que você não pode, não conhece todo mundo. Antes eu conhecia todas as pessoas! Todas as pessoas! Eu conhecia todas as pessoas! Ah! Com certeza! Você não conhece todo mundo. E às vezes você tá sentado aqui e eu conheço vizinho daqui e dali e passa pessoas que eu não conheço. Eu não sei quem é, o quê que eles estão pretendendo. Entendeu? (E) (Entrevista realizada em abril de 2019). O reforço de práticas individualistas na sociedade contemporânea, em que os habitantes passam a encerrar suas vidas na privacidade de seus lares, desocupando os espaços da rua, do convívio com a vizinhança, apontados pela entrevistada, demonstram que, gradualmente, os habitantes passaram a se ensimesmarem de tal maneira que “essa tal dessa, essa violência” passa a nomear toda e qualquer vivência negativa na sociabilidade construída entre os habitantes. Porque até então era só o Citrolândia, né ? E isso trazia assim... uma angústia... é... eu falo pra quem tá aqui há mais tempo, que é trabalhador, que luta pra fazer as coisas da melhor forma possível, a gente fica... poxa, mas como assim? Né ? E aí assim, só pra gente direcionar, eu falo assim: como eu estou e sou e tenho essa ligação com a hanseníase, essa ligação começa com duas pessoas assim muito guerreiras (L) (Entrevista realizada em junho de 2019). É notável, no relato acima, a existência de uma ambiguidade de sentidos vinculada à imagem do lugar. © 2023 Global Journals Volume XXIII Issue III Version I 3 ( ) Global Journal of Human Social Science - Year 2023 C Leisure Practices in Segregated Spaces: The Case of Citrolândia
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