Global Journal of Human Social Science, C: Sociology and Culture, Volume 23 Issue 3
A relação com a doença originada pelo vínculo de parentesco com as pessoas que estavam internadas na Colônia se distingue da visão de lugar violento, presentes no retrato que a cidade construiu em torno do que seria o Citrolândia. Segundo Pollak (1992), a memória ao organizar, manter e dar continuidade ao que foi vivido, selecionando o que guardar, o que esquecer e o que recalcar demonstra que ela é um fenômeno construído e daí uma certa negociação entre a memória e a identidade social acontece por serem fenômenos que não “devem ser compreendidos como essências de uma pessoa ou de um grupo. Se é possível o confronto entre a memória individual e a memória dos outros, isso mostra que a memória e a identidade são valores disputados em conflitos sociais e intergrupais (POLLAK, 1992, p. 5). Ao tentar explicar o que pode ter contribuído para o término dessas práticas, a entrevistada aponta que o falecimento do organizador do grupo DO CARNAVAL pode estar entre as causas. Acho que é pelo fato de não ter uma pessoa, um cabeça mesmo tinha... morrido. Aí assim o pessoal esfriou. Porque é ele quem corria atrás. Ele conhecia muita gente no Rio, ele ia pra lá, ele trazia os sambas, ele levava uma proposta e já trazia o samba feito, aquele negócio todo entendeu? (E) (Entrevista realizada em abril de 2019). Para Misse (1997) o término do convívio interclasses propiciado por práticas como o carnaval de rua se encontra na raiz de um certo olhar que passa a objetalizar os pobres incorporando a imagem da criminalidade a esses grupos. Nas áreas pobres, essa objetalização está dada pela própria segregação a que estão submetidos igualmente. Mas os pobres resistem a ela, não se consideram pobres senão pela mediação da dignificação de sua pobreza. É uma espécie de « ponto de vista » essencialmente « excludente » e « superior » que parece conter esse olhar objetal, um ponto de vista que se espalhou nas áreas pobres incorporando-se à criminalidade comum ali existente. Mas o modo de produção desse olhar começou em outro lugar, começou na época que assinala o fim do populismo, das escolas e praças públicas, dos bailes e desfiles de carnaval nas ruas, das músicas de carnaval compartilhadas por todas as classes, da sociabilidade que - embora hierárquica -, mantinha as classes em convívio social (MISSE, 1997, p. 12). Para ele, a ocupação da rua, do espaço público junto com o convívio, mesmo que hierárquico, entre grupos heterogêneos, estão entre os pontos que, ao deixarem de compor as relações sociais na contemporaneidade, vêm contribuindo para a construção de um olhar que objetaliza o pobre e com isso contribui para a incriminação destes. Junto ao carnaval, outros usos da cidade e de seus espaços públicos, como a rua e os lotes vagos, eram reconhecidos pelos habitantes como espaço de trocas e práticas coletivas. Uai eles tinham, eles brincavam muito aqui nesse campo aqui, só que [...] era um espaço de terra mesmo. Tinha uma mina, muito boa, uma água muito boa [...] E os meninos brincavam, eles brincavam muito ali, era um, uma descida assim ó ! E eles colocavam um papelão, um plástico, qualquer coisa assim e descia aquela meninada brincando ali pra baixo e a gente ficava doida com aqueles meninos com medo deles machucar, né ? (M) (Entrevista realizada em julho de 2019). Várias brincadeiras como pega-pega, pular corda e jogar bola sobressaem nos relatos: “Brincava de roda, fazia fogueira, assava batata nas fogueiras! Batata, mandioca! É... os pais da gente, junto com a gente fazia as fogueiras e a gente ficava lá contando caso, fazendo, brincando, essas cantigas de roda” (E) (Entrevista realizada em abril de 2019). Isso. E essa escola de samba o pessoal tinha essa ligação com esse pessoal do chiqueirão 1 . Talvez essa questão da música, então tinha alguns encontros. Então assim, muita, muitos jovens naquela época iam. Era um, como se fosse, praticamente, a única diversão. Fora o futebol (L) (Entrevista realizada em junho de 2019). O futebol era um esporte de prática generalizada entre as crianças e adolescentes do lugar e representava um espaço de interação e produção de outras atividades, pois gerava a organização do concurso de garotas que eram eleitas rainhas dos campeonatos e propiciava encontros frequentes entre os múltiplos grupos ali existentes repercutindo na construção de sentidos de uma memória em comum arraigada ao lugar. E a única diversão que nós tínhamos era o futebol. Televisão não tinha naquela época, praticamente. Então, nós queria jogar bola, então, todo mundo ia dormir cedo [...] O futebol... pra nós foi muito importante como eu te falei. Tinha as rainha, princesa, time de futebol todo mundo uniformizado, charanga, o campo ficava cheio de pessoas [...] E aí tinha os torneios, os campeonatos. Nós fomos crescendo, jogamos no Rio, jogamos em São Paulo, várias cidades. Viajávamos! Fora também. Ubá tem colônia. Em Jacarepaguá no Rio tem colônia e Três Corações tem colônia [...] A gente foi em Pará de Minas, é... Itaúna, Igarapé, Itaguara (C) (Entrevista realizada em abril de 2019). Fig. 2: Time de futebol na década de 60 do século XX 1 O chiqueirão era um espaço onde ocorriam bailes para a população jovem. © 2023 Global Journals Volume XXIII Issue III Version I 4 ( ) Global Journal of Human Social Science - Year 2023 C Leisure Practices in Segregated Spaces: The Case of Citrolândia
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