Global Journal of Human Social Science, C: Sociology and Culture, Volume 23 Issue 3
III. C ONCLUSÃO O Citrolândia se constituiu como o oposto da cidadela Colônia Santa Isabel ao se estabelecer e consolidar como um espaço de moradia para os familiares que não tinham hanseníase. Nesse território não havia nenhum dos elementos que integravam a paisagem urbanizada da Colônia. Ademais, os relatos demonstraram como se dava a parca atuação do Estado para além de práticas autoritárias de controle do espaço. As ações executadas pelo poder público desde o surgimento do lugar, entre 1940 e 1950, que tomaram vulto com as tentativas fracassadas de remoção dos primeiros habitantes do Citrolândia, tiveram origem na esfera federal e revelaram o caráter conservador e autoritário do governo. Essas ações de remoção, ao expressarem as práticas urbanistas vigentes naquele período, visavam o desaparecimento completo do lugar, que representava a imagem de incivilidade persistente a qual combatiam. Igualmente se aprofundaram os processos de segregação manifestados nos múltiplos projetos de expansão da mancha urbana com a implantação e incremento de novos conjuntos habitacionais, um centro de tratamento de resíduos sólidos (inaugurado em 1996 e desativado em 2011, estando em implantação no mesmo local a Usina de Reciclagem de Resíduos de Construção Civil) e de um presídio nos limites territoriais com o município de São Joaquim de Bicas. Não obstante, aponta-se como manifestações desse aprofundamento o precário investimento em políticas que oportunizem o acesso ao lazer e esporte à população ali residente, ausência de espaços públicos como praças, além da inexistência de fomento às práticas culturais que eram tradicionais, como o desfile de escola de samba e os campeonatos de futebol que contribuíam para o enraizamento das relações no lugar. A antiga dinâmica da segregação composta pelos vestígios da desconfiança de que os habitantes pudessem portar a doença (hanseníase) confinada ao espaço vizinho da Colônia, agregada à distância social, geográfica e econômica da cidade de Betim, combinou-se com as práticas atuais que convertem a forma como o lugar é reconhecido na cidade deixando de ser um espaço de moradia para “filho de leproso” para tornar-se um lugar “perigoso”, onde as pessoas estão envolvidas em práticas criminosas. Ao incorporar esta imagem de “periculosidade” ao “caráter” das relações entre seus habitantes e o lugar, tem-se uma identidade social que ultrapassa a ideia do estigma, segundo a perspectiva clássica de Goffman (1974) porque além do rótulo e da discriminação, efetiva-se uma prática de objetalização (MISSE, 1997) que anula a humanidade de seus habitantes e aprofunda o reconhecimento do Citrolândia pela falta moral, como o espaço que resta para aqueles que são identificados como cidadãos de última categoria no tecido social hierarquicamente estabelecido. R eferences R éférences R eferencias 1. ADORNO, S. A gestão urbana do medo e da insegurança. São Paulo: [s.n.], 1996. 2. ALBERTI, Verena. Fontes orais. Histórias dentro da história. In: PINSKY, Carla. Fontes históricas. São Paulo: Contexto, 2008, p. 155-202. 3. CARLOS, Ana Fani Alessandri. A condição espacial. São Paulo: Contexto, 2011. 4. ______. O lugar do/no mundo. São Paulo: Labur Edições, 2007. p. 85. 5. DELGADO, Guilherme C. 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[S.l.], 1952. p. 247-248. © 2023 Global Journals Volume XXIII Issue III Version I 6 ( ) Global Journal of Human Social Science - Year 2023 C Leisure Practices in Segregated Spaces: The Case of Citrolândia 12. LANA, Francisco Carlos Félix. Políticas sanitárias em hanseníase: história social e cidadania. Tese O convívio histórico da população com práticas de violência simbólica, experimentadas ao longo do tempo em consequência do tratamento discriminatório dispensado aos habitantes, tanto pelo estado, que, num primeiro momento na implementação de políticas de saúde pública que impunham a segregação das pessoas, e, num segundo momento, ignorar a necessidade de prover espaços com infeaestrutura e equipamentos públicos de qualidade. A violência imposta por grande parte dos moradores de Betim pode ser observada por meio dos relatos que se percebem duplamente estigmatizados, em função da doença ou da criminalidade. Nesse sentido, as transformações nas formas de sociabilidade no bairro guardam estreita relação não apenas com a crise moral e de autoridade das instituições na atualidade, mas também com o convívio ao longo da história com a discriminação.
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