Global Journal of Human Social Science, D: History, Archaeology and Anthroplogy, Volume 23 Issue 2

Volume XXIII Issue II Version I 25 ( ) Global Journal of Human Social Science - Year 2023 D © 2023 Global Journals Morals and Violence: Principles for a Historical and Social Cartography of Values você Miguel [...] agora vou avisar o Juiz, que matei os dois [...] (Processo 08/1959, fl. 27). Miguel não questionou a motivação do crime de Hernani , e falou que não sabia de desavenças mas tinha ciência do adultério. No testemunho da fase processual, Miguel afirmou ter entendido que a motivação do crime foi porque Valdomiro havia “roubado” a esposa de Hernani. A testemunha ainda afirmou que Maria havia abandonado o lar conjugal, e que isso poderia ter sido a causa do crime. (Processo 08/1959, fl. 47). Uma outra testemunha, chamado Wlademiro Zainco , de 50 anos, também presenciou o fato. Wlademiro deixa claro em seu depoimento que suspeitava das intenções de Valdomiro com Maria. O depoente apresenta a vítima, Valdomiro , como um homem imoral, pois teve conhecimento que ele havia feito propostas de dinheiro em troca de sexo com a filha de Hernani . Este detalhe chamou atenção no processo, pois ele somente afirmou isto depois de saber que Hernani já havia falado isso em juízo. Coadunando com a versão apresentada pelo réu, Wlademiro afirma uma imoralidade prejudicial aos valores da família e daquela sociedade. (Processo 08/1959, fl. 52-53). O que podemos extrair desses depoimentos está no cerne do Poder Judiciário, a produção da verdade. Todos os depoentes prestaram o compromisso legal de somente dizer a verdade. Esta verdade, não era apenas aquela sobre o fato, mas também a que revela as convicções, os valores, os costumes, as condutas e a moral latente considerada legítima verdade por eles. Existe ali uma vontade de verdade. Machado irá nos dizer que esta vontade de verdade é como uma crença de que [...] nada mais é necessário do que o verdadeiro, de que o verdadeiro é superior ao falso, de que a verdade é um valor superior - crença que funda a ciência e constitui a essência da moral e da metafísica [...]. (Machado, 2017, p. 14). Desta forma, podemos compreender que aquela sociedade possuía suas produções de verdades, que para eles existe a convicção de que ela é superior a outras. Em nossa análise, percebemos que a honra nas ações de um sujeito é vão produzir e fundamentar como esta pessoa é vista na sociedade, até mesmo para justificar uma violência. Podemos explicar isto considerando que a verdade da moral que define e produz comportamentos, ações, formas de viver e de acreditar, não existe a priori , pois é um acordo aceito por todos. A verdade não é uma adequação do intelecto à realidade; é o resultado de uma convenção imposta com o objetivo de tornar possível a vida social; é uma ficção necessária ao homem em sua relação com outros homens. (Machado, 2017, p. 56). Desta forma, podemos encontrar as mesmas direções de uma defesa moral nas palavras de Hernani e seu defensor. Se inicia o jogo de legitimação da defesa da honra, da moral e dos bons costumes, com a finalidade de se produzir uma verdade sobre o sujeito e seus atos. Ao ser interrogado, Hernani narrou o que o levou a cometer o duplo homicídio. Ele é bastante incisivo ao afirmar que era amigo de Valdomiro a pelo menos doze anos, e que o mesmo frequentava sua casa. Disse mais: “[...] que há oito meses mais ou menos Valdomiro atropelou a esposa dele de casa, ficando sozinho, tendo pedido ao interrogado ( Hernani) que mandasse suas filhas, uma de quatorze anos e outra de onze anos, fazer a limpeza na casa dele; (Processo 08/1959, fl. 35).”. Inicia-se um ritual de desmantelamento da moralidade de Valdomiro , que retroalimenta a defesa da honra do réu. Uma das vítimas já era demonstrada como sujeito contrário a família, pois “atropelou a esposa de casa”. A defesa continuou, e Hernani afirmou mais, que Valdomiro tentou abusar de uma de suas filhas, oferecendo dinheiro a ela. A jovem havia contado apenas para sua mãe, Maria , que ocultou isso. Uma semana depois as duas vítimas começaram a se relacionar. (Processo 08/1959, fl. 35). A dois pontos importantes neste relato de Hernani , um diz respeito a sua estratégia jurídica e o outro ao contexto histórico. Claramente a defesa se baseia na contradição dos valores das vítimas, assim podiam exaltar a honra e a moral do réu justificando sua fúria investida. Quase sempre é uma ação reprovável, mas, matar alguém em defesa da honra, da família, ou matar alguém que era um sujeito desviante daqueles valores, que provocou uma cólera social, faz mudar o sentido do homicídio, podendo não ser visto como crime. Embora em lei e norma seja crime, social e moralmente nem sempre o é. (Franco, 2019, p. 81). Com relação ao contexto, o fato de Maria não ter relatado sobre a tentativa de abuso sexual contra sua filha faz parte de um estigma existente no período e que ainda é difícil de ser combatido. No início da década de 1960, ainda era muito forte as relações de casamentos arranjados e da virgindade como pré- requisito para esta finalidade. Uma herança “maldita’ que perpassa décadas, tendo como resultado o ocultamento de inúmeros casos de violência sexual, O segundo testemunho era de um cliente do mesmo bar, Emiliano Kovalek , jovem gaiteiro de 21 anos que estava tomando seu aperitivo e experimentando uma gaita que estava sobre o balcão. Diz ter sido muito violento a cena de Hernani assassinando Valdomiro , e que por isso não demorou para largar a gaita e ir para casa. (Processo 08/1959, fl. 28). Diferente do dono do estabelecimento que não se intimidou nem questionou a intenção do crime sabendo do adultério que envolvia todas as partes, Emiliano nada sabia sobre o réu, nada sabia sobre rixas entre eles e não sabia nada sobre o adultério.

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