Global Journal of Human Social Science, D: History, Archaeology and Anthroplogy, Volume 23 Issue 2

Volume XXIII Issue II Version I 26 Global Journal of Human Social Science - Year 2023 © 2023 Global Journals Morals and Violence: Principles for a Historical and Social Cartography of Values pois isto afetaria a vida futura da vítima. Havia um preceito sobre o que era ser uma “mulher ideal”, segundo Fonseca: [...] uma mistura de imagens: a mãe piedosa da Igreja, a mãe-educadora do Estado positivista, a esposa companheira do aparato médico-higienista. Mas todas convergiam para a pureza sexual – virgindade da moça, castidade da mulher. Para a mulher ser “honesta”, devia se casar; não havia outra alternativa. E para casar, era teoricamente preciso ser virgem. (Fonseca, 2000, p. 528). Sofrer uma violência sexual e denunciar, poderia resultar em um estigma que afetaria toda a vida da vítima, não somente emocional, mas também socialmente. Destarte, Maria ter ocultado aquela tentativa de abuso pode não ter sido uma conivência proposital, e sim uma estratégia de preservação da honra da filha. A defesa de Hernani levaria isto como uma “degeneração” do papel de mãe, que ocultou um abuso e ainda se relacionou com o abusador de sua filha. Assim se constituiu a defesa do réu, ardilosamente na contradição dos valores das vítimas e exaltação de sua honra. As razões finais da acusação proferida pelo Promotor Público, também foram bastante incisivas ao contradizer a defesa. Embora, seu respaldo seja pela materialidade do crime. Temos, para nós, que o duplo homicídio, - além do traumatismo, do choque natural que abalou toda a sociedade local, dados os requintes brutais, nas circunstâncias em que se efetuou - não passa de um frio, premeditado e monstruoso fato, perpetrado como habitualmente o são os crimes de denominamos de assassínio. (Processo 08/1959, fl. 66). Existiu a tentativa da acusação em perpetrar que o réu causou prejuízos à sociedade, que ele rompeu com os valores. Apenas constatações sobre a materialidade do crime não têm o mesmo efeito que atrelar a culpa aos prejuízos morais causados. A acusação investiu na premeditação do crime, o que invalidaria a defesa da honra. Hernani foi a júri popular e, tanta defesa quanto acusação apresentaram suas justificativas. O júri popular, comumente relacionado aos crimes contra a vida, se trata da representação civil no Poder Judiciário. É principalmente ao Tribunal do Júri que a defesa busca convencer, aqui os jogos do poder reestruturam suas fronteiras e expandem os limites da legalidade. Para a defesa, nada melhor do que pessoas que compartilham os mesmos valores morais para que se possa justificar uma defesa dos valores instituídos. No dia 19 de fevereiro de 1960 foi convocada a Reunião Ordinária do Júri. Todos os 21 jurados eram homens. Após todo o processo, a defesa de Hernani convenceu os jurados pela legítima defesa da honra. O réu é absolvido das acusações e sai em liberdade. Para analisarmos isto, precisamos compreender que a ordem do discurso presente no Poder Judiciário não responde necessariamente à realidade dos fatos. Principalmente nos casos em que é invocado o Tribunal do Júri, a verdade pode irromper em várias faces, formas e significados. O compromisso com a verdade dos fatos é transformado pela vontade de verdade, ou seja, aquilo que é necessário para aquele momento: Como se para nós a vontade de verdade e suas peripécias fossem mascaradas pela própria verdade em seu desenrolar necessário. E a razão disso é, talvez, esta: é que se o discurso verdadeiro não é mais, com efeito, desde os gregos, aquele que responde ao desejo ou aquele que exerce o poder [...] (Foucault, 2014, p. 18). Não é o discurso verdadeiro sobre o fato, mas sim uma verdade necessária para se exercer estratégias, julgar e subjugar sujeitos ao poder, fazer ressoar e reanimar valores. Isto pode ocorrer com um caráter violento voltado ao dionisíaco, como afirma Sochodolak: Ao irromperem, elas arruínam as instituições e a ordem cultural. Sua violência é incontrolável, e suas estratégias contam, sobretudo, com a dissimulação, com o disfarce, com as máscaras. E, por fim, as ruínas das instituições e da cultura não abalam a divindade que emerge intacta da destruição. (Sochodolak, 2016, p. 230). Quando se invoca os ritos de defesa da honra, de manutenção da moral, nem mesmo a instituição judiciária escapa dessa ordem. Suas leis são distorcidas, a verdade é modelada, a justiça se isenta e fecha os olhos para dar lugar a um exercício do poder de reconstituição dos valores. O Poder Judiciário pode se tornar uma ferramenta para exercer os desejos coletivos e individuais, iniciando de forma quase silenciosa que por fim se torna trovões que se faz ouvir onde se atravessa o poder. IV. C onsiderações N ada F inais Analisando o Processo n. 08/59 da Comarca de Mallet, foi possível compreendermos como certos valores morais estavam inseridos naquela sociedade. O duplo homicídio, considerado pelo promotor público como atroz, premeditado e covarde, não era visto da mesma forma pela sociedade representada pelo Tribunal do Júri. Na fase processual para estabelecer uma sentença, não se tratou mais do ato violento e criminoso, mas sim, dos motivos serem justificados ou não. Passou a um julgamento moral da situação que levou o réu a cometer os crimes. As questões que se sucederam, não foram se havia sido premeditado ou se o fato de matar foi uma causalidade. Precisou-se estabelecer se o réu era um homem honrado, se protegia a sua família, se perante a sociedade ele era um praticante dos “bons costumes”. Em outras palavras, um homem moral. Ao mesmo tempo, foi questionado se as vítimas eram pessoas ( )D

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