Global Journal of Human Social Science, D: History, Archaeology and Anthroplogy, Volume 23 Issue 3

III. T ransformação do E spaço e F ortalecimento de R edes de P oder A criação do bispado implicava a elevação da vila a uma nova condição; desta vez à condição de cidade. E em virtude de suas edificações um tanto quanto precárias o rei decidiu que novos edifícios e novos caminhos fossem construídos. Nesta ocasião, tais construções deveriam ser feitas sob a orientação de um engenheiro militar e de acordo com uma visão iluminista que primava pela higiene e funcionalidade dos núcleos urbanos, ou seja, pela livre circulação do ar, das águas, dos carros e das pessoas. A atuação desses engenheiros, como mostrou Fonseca, fazia parte de uma política mais ampla do governo português que procurava encurtar a distância entre o centro irradiador do poder e seus domínios, controlando e vigiando o desenvolvimento das diversas povoações. Além desses técnicos, vários outros empregados régios foram enviados às colônias e o território passou a ser cada vez mais fracionado na forma de unidades administrativas interdependentes; daí a criação de vilas, cidades, municípios, comarcas e capitanias . 8 Com relação à capitania de Minas Gerais, um dos principais sustentáculos das finanças portuguesas, 9 havia um interesse ainda maior em tomar as rédeas do povoamento. Para esta capitania foi enviado um verdadeiro exército de burocratas, encarregados de instituir um sistema tributário e manter a ordem num território que se transformava com o “afluxo incontido de forasteiros de todas as procedências, atraídos pela descoberta de ouro e diamantes”. 10 A este respeito penso que as considerações de Vellasco (2004) sobre a forte presença do Estado, em Minas Gerais, merecem ser assinaladas. Para o autor a mineração e a acelerada ocupação do território constituíram-se numa das principais preocupações do governo português e demandaram sua ação imediata. Em suas palavras: “a realidade do surto minerador exigia do Estado a capacidade de intervir para desempenhar suas funções de taxar tributos, vigiar e supervisionar, enfim governar as coisas e as pessoas”. 11 A partir deste momento, por conseguinte, os habitantes das Minas passaram a ter de enfrentar a intervenção inconteste do Estado e de 8 Entre os anos de 1711 e 1718 foram criadas em Minas Gerais oito vilas: Vila do Carmo, Vila Rica, Sabará, São João del-Rei, Caeté, Serro, Pitangui, São José del-Rei. Estas vilas e seus arraiais foram divididos em três comarcas: Vila Rica, Rio das Velhas e Rio das Mortes. Na mesma época, em 1721, foi criada a capitania de Minas Gerais. 9 FONSECA, 1998, p. 42. 10 COSTA, 1970, p. 15. 11 VELLASCO, 2004, p. 190. uma burocracia administrativa, tributária e judiciária em proporções até então desconhecidas na colônia. 12 A política urbanizadora adotada pelo governo português era orientada, assim, em duas direções: a instituição de várias categorias de empregados régios e o controle sobre a formação dos diversos núcleos urbanos. Por isso, a criação da primeira cidade da capitania mereceu a cuidadosa atenção de Dom João V que, em setembro de 1747, enviou às autoridades locais um conjunto de orientações para seu novo traçado. De acordo com a Carta Régia , na planta da nova povoação deveria haver uma ampla praça, de onde sairiam ruas “direitas e com bastante largura”. Nestas ruas seriam erguidos os edifícios públicos; em seguida, seriam aforadas as demais faixas de terra, dando preferência aos moradores que tivessem de deixar suas casas para que essas edificações pudessem ser levantadas. Naquela mesma carta o rei encarregava os oficiais da Câmara Municipal de zelar pelo uso desses espaços e prédios públicos e de garantir que todas as edificações, inclusive as casas dos habitantes, fossem feitas de face para a rua, com paredes em linha reta e com os quintais localizados em seus fundos. 13 Além dessas orientações, Dom João V indicou qual deveria ser o nome da nova cidade. Batizou-a de Mariana em homenagem à sua esposa, a rainha Dona Maria Anna D’Áustria; escolha que sem sombra de dúvida revelava as intenções do governo português em estreitar os laços e estabelecer uma relação mais íntima com a capitania mineira. A preocupação com a boa ordem do espaço público, a escolha de um nome que demonstrava seu apreço e vigilância sobre a região mineradora e a criação do bispado fizeram de Mariana um local estratégico e um símbolo da nova ordem social que se instaurava. Contudo, mesmo que a criação dessa cidade de traços tão regulares fosse o desejo soberano do rei, a Câmara Municipal e o engenheiro José Fernandes Alpoim tiveram de enfrentar uma série de obstáculos para sua execução. Como indicou Fonseca, algumas irmandades tentaram intervir no traçado das ruas e o próprio bispo enviou uma representação ao rei, pedindo-lhe que recebesse com atenção as demandas que estavam sendo encaminhadas. Outro conflito apontado pela autora estava ligado à falta de consenso, entre a Câmara Municipal e alguns dos habitantes, sobre quais terrenos compunham ou deveriam compor o patrimônio da cidade. Diante de situações como estas, as autoridades locais tiveram de adaptar as orientações régias não somente às características geográficas, mas às demandas que iam sendo levantadas pelos próprios 12 PAULA (2000, p. 97-102), ao investigar as Raízes da modernidade em Minas Gerais , assinalou o caráter discricionário da ação do Estado português na capitania de Minas Gerais. 13 CARTA RÉGIA. Lisboa, setembro de 1847. Volume XXIII Issue III Version I 40 ( ) Global Journal of Human Social Science - Year 2023 D © 2023 Global Journals Mariana: The Construction of the City and its Paths

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