Global Journal of Human Social Science, D: History, Archaeology and Anthroplogy, Volume 23 Issue 3
somava-se a preocupação em prover a cidade com águas limpas; daí a instalação em diferentes locais de fontes e bebedouros. Acompanhando estas medidas de “aformoseamento” e “salubridade”, as autoridades locais decidiram transferir a entrada da cidade, que ficava nas imediações da antiga capela de São Gonçalo , para a Rua Nova . Desta forma, os transeuntes poderiam perceber que não estavam chegando a um lugar qualquer. A princípio eles seriam saudados pela igreja de São Pedro e pela visão panorâmica da cidade e de seus novos edifícios; em seguida, descendo alguns quarteirões, eles se deparariam com a Câmara Municipal e todos os símbolos de poder que a circundavam. Voltando à Vista da cidade de Mariana , tocou- me o silêncio da paisagem. Seu autor não retratou as pessoas, nem o movimento do vento ou das águas do ribeirão. O único movimento insinuado foi o do tempo. Como pode ser observado na ilustração, a capela de São Gonçalo foi representada com apenas uma de suas torres. A mudança para um “sítio mais cômodo”, como disse anteriormente, teve como consequência o abandono dos edifícios construídos no antigo arraial. Por isso, em meados do século XIX, a estrutura da capela de São Gonçalo estava bastante deteriorada e uma de suas torres ameaçava desabar. Foi esta torre que Martins Braga não registrou em sua ilustração, porque naquele ano de 1824 ela já havia sido demolida. A decadência e o caráter marginal desse ponto da cidade acentuaram-se de modo mais premente no ano de 1852, quando o cemitério que pertencia à igreja Matriz foi transferido para o entorno daquela capela, que já se encontrava em ruínas. 17 Outro aspecto da ilustração que me causou inquietação diz respeito à força e impetuosidade das montanhas. O engenheiro Halfeld e o naturalista Tschudi, no relato A Província Brasileira de Minas Gerais , descreveram os vários elementos da paisagem mineira. Quando falaram do relevo se expressaram de uma forma bastante semelhante à de Martins Braga: “um território ricamente irrigado, através do qual inúmeras serras serpenteiam de forma quase caótica” . 18 Como fica claro na ilustração, o artista identificou a sinuosidade das montanhas, retratando a irregularidade das curvas e os diversos sentidos seguidos por cada uma das elevações, ora estendendo-se umas sobre as outras, ora escondendo-se umas sob as outras. A este traçado caótico e irregular, o artista contrapôs uma cidade de ruas “direitas” e fachadas “retas”, que, embora estivesse sujeita aos desmandos do tempo, ia pouco a pouco dominando a rude paisagem mineira. IV. C onclusão 18 FONSECA, 1998, p. 52. 19 HALFELD e TSCHUDI, 1998, p. 69. A cidade se embebe como uma esponja dessa onda que reflui das recordações e se dilata. Uma descrição de Zaíra como é atualmente deveria conter todo o passado de Zaíra. Mas a cidade não conta o passado, ela o contém como as linhas da mão, escrito nos ângulos das ruas, nas grades das janelas, nos corrimãos das escadas, nas antenas do s para-raios, nos mastros das bandeiras, cada segmento riscado por arranhões, serradelas, entalhes, esfoladuras. 19 Ítalo Calvino, em seu livro As cidades invisíveis , apresenta esse belo relato sobre a cidade e sua relação com o tempo e a história. Como para a cidade de Zaíra, Mariana contém seu passado, flagrado não apenas no traçado de ruas e na disposição de casarios, mas também na interseção entre cidade, morros, encostas, ribeirões e jazidas minerais. Dos muitos caminhos e histórias traçadas entre essas diferentes paisagens, destaca-se a intenção de autoridades locais e coloniais em exercer o controle do vasto território das minas, “endireitando” ruas e subjetividades, e ordenando a ocupação dos espaços públicos. R eferências B ibliográficas 1. CALVINO, Ítalo. As cidades invisíveis . São Paulo: Companhia das Letras, 1990. 2. COSTA, Joaquim Ribeiro . Tiponímia de Minas Gerais: com estudo histórico da divisão territorial administrativa. Belo Horizonte: Imprensa Oficial do Estado, 1970. 430p. 3. FONSECA, Cláudia Damasceno. O Espaço Urbano de Mariana: sua formação e suas representações. In: Termo de Mariana: história e documentação. Mariana: Imprensa Universitária da UFOP, 1998. 27-66p. 4. LEWKOWICZ, Ida. Espaço urbano, família e domicílio: Mariana no início do século XIX. In: Termo de Mariana: história e documentação. Mariana: Imprensa Universitária da UFOP, 1998. 87-97p. 5. PAULA, João Antônio de. Raízes da modernidade em Minas Gerais. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. 156p. 6. VELLASCO, Ivan de Andrade. Seduções da ordem: violência, criminalidade e administração da justiça: Minas Gerais – século 19. São Paulo: EDUSC, 2004. 328p. 7. VIANA, Fabiana da Silva. Estado nacional, debate público, instrução primária . Mariana/Minas Gerais. 1816-1848. 2012, 198 f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2012. 20 CALVINO, 1990, p. 14-15. Volume XXIII Issue III Version I 42 ( ) Global Journal of Human Social Science - Year 2023 D © 2023 Global Journals Mariana: The Construction of the City and its Paths
RkJQdWJsaXNoZXIy NTg4NDg=