Global Journal of Human Social Science, G: Linguistics and Education, Volume 25 Issue 3

religião de matriz africana que mescla-se com elementos de culturas indígenas que existe (e resiste) apenas na região da chapada Diamantina na Bahia - Brasil, assim como o rio Utinga da mesma região, dentre outros elementos não fictícios que são parte importantes da narrativa. Como um dos exercícios da oralidade, a escrita elimina a distância entre o pensamento e a linguagem, tornando-se também um objeto analítico. Nesse sentido, a escrita etnográfica de Itamar Vieira Júnior em Torto Arado é provocativa na busca por elucidar sobre, também, os bastidores de redação da criação da obra, não só por revelar a posição social do escritor, mas devido a unir o que sinalizamos fazer parte da etnografia, ou seja, o ‘incontestável’ (não ficcional, não literário, real) com o littera , isto é, arte de criar e compor textos com uma linguagem voltada (intencionalmente) para provocar diversas emoções. Narrativa e descrição são dois gêneros distintos, assim como um texto ficcional e não – ficcional, contudo, a narrativa é a arte da palavra do narrador, componente estrutural em um romance, quanto a descrição, tem em sua essência, a tradução em sua comunicação e quando está ocupa o hall da ciência, em especial no caso em tela, a escrita etnográfica é identificada através da pluralidade de vozes (polifonia), tanto no discurso direto como indireto e variantes das personagens, chegando, inclusive, ao próprio romancista que termina denunciando-se em sua escrita e, é justamente nesse momento que a nossa investigação se inicia, pois, conseguimos perceber aspectos da escrita dos outros papéis sociais da vida do autor e não apenas o de escritor. Itamar Vieira Júnior pode ser compreendido como um etnógrafo-tradutor, figura que atua na interseção entre a observação participante e a criação artística, buscando preservar a voz e o ponto de vista dos informantes, sem reduzir sua complexidade ou exotizar suas práticas. Sua escrita em Torto Arado (2019) promove uma mediação simbólica entre a oralidade tradicional e a linguagem literária contemporânea, configurando uma narrativa polifônica que incorpora múltiplas temporalidades, perspectivas e regimes de verdade. A recepção crítica da obra evidencia sua relevância no panorama literário brasileiro contemporâneo. Premiado com importantes reconhecimentos — entre eles, o LeYa (2018), Jabuti (2020) e o Oceanos (2020) —, o romance é celebrado por dar visibilidade a temáticas centrais como o racismo estrutural, a espiritualidade afro-brasileira e a resistência quilombola, articulando-as de forma indissociável. Críticos e acadêmicos destacam a força da polifonia narrativa e a inserção de saberes ancestrais como elementos estruturantes do texto, o que reforça o caráter decolonial e identitário da obra. À vista disso, a escrita de Itamar Vieira Júnior em Torto Arado evidencia uma ética da escuta e da tradução cultural, situada na encruzilhada entre o rigor etnográfico e a liberdade poética. Essa conjugação reafirma a potência da literatura enquanto campo de produção de sentidos e resistência, ao dar voz a histórias historicamente marginalizadas e silenciadas no Brasil profundo. II. O ‘ F azer- S e’ L iterário “Todo ponto de vista é a vista de um ponto.” - Leonardo Boff - O autor é indissociável de sua obra e carece do público para ser reconhecido e reconhecer-se, em outras palavras, “isto quer dizer que o público é condição para o autor conhecer a si próprio, pois esta revelação da obra é a sua revelação.” (Candido, p. 84, 2006) e nesse sentido, a obra é quem estabelece a ponte entre os dois âmbitos e nessa perspectiva, assumimos a ideia de que a narrativa lida pelo leitor é resultado da transcrição de um processo qual apenas o autor teve acesso. Em Torto Arado (2019), apesar de haver três principais narradoras - Belonísia, Bibiana e Santa Rita Pescadeira -, as vozes na trama são polifônicas, ou seja, temos as narrativas das narrativas que também são lidas pelo leitor e é nesse sentido que percebemos que a proposta do autor foi escrever sobre a realidade de um povo em seu meio social e a partir dos seus (nativos) pontos de vista, marginalizando um pouco a ficção, ‘com toda vênia’ a literatura, mas utilizando essa para amplificar as vozes dos anônimos reais que assumem no gênero romance a esfera de personagens. Identificamos em diversos fragmentos da obra literária, também, uma escrita de cunho etnográfico e não só apenas literário, evidenciando assim o não- ficcional no ficcional, conectando a Antropologia Social e o fazer etnográfico a Literatura. Por isso, a hipótese da discussão em tela tem como cerne a análise de aspectos da escrita etnográfica de Itamar Vieira Júnior, o autor da obra e também o que Candido (2004), considerou como observador literário, algo refletido por ele na obra de mesmo nome da seguinte maneira: “a essa altura a personalidade literária já ia amadurecendo, concatenando melhor os elementos que integram um universo fictício, compondo o dado existencial e passando, em matéria de estilo, do registro à organização” (Candido, 2004, p. 36). Tanto em Literatura e Sociedade (2006) quanto em o Observador Literário (2004), Antonio Candido ressalta em alguns trechos dessas duas obras, o fazer literário como um reconhecimento do eu em relação ao mundo emoldurado por um cânone estético, pois, tudo que é artístico, extrapola as próprias regras de um panteão, mas sem desobedecê-lo, algo que posteriormente explicaremos melhor, mas ainda nessa The Mythical, Political, and Poetic Crossroads: The Ethnographic Writing of Itamar Vieira Junior in Torto Arado Global Journal of Human-Social Science ( G ) XXV Issue III Version I Year 2025 39 © 2025 Global Journals

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