Global Journal of Human Social Science, G: Linguistics and Education, Volume 25 Issue 3

perspectiva e em especial, sobre o escritor romancista, ele diz que há no romance (mas de modo algum na poesia) dois ângulos principais que regem a visão do escritor, condicionando a sua arte de escrever: ou investiga a realidade como algo subordinado à consciência, - que envolve tudo e fica em primeiro plano, - ou põe a consciência a serviço de uma realidade considerada algo existente fora dela. Um ângulo de subjetivismo, outro de objetividade, que se combinam segundo os mais vários matizes, mas não passam essencialmente de dois. Tertius infictione non datur... (Candido, 2004, p. 33). Um escritor é antes de tudo um ser humano que se desenvolve em um meio social. Logo, ao salientar a arte de escrever e os condicionamentos - subjetivo ou objetivo – da própria consciência ao fazer literário, esse, por mais ficcional que seja, o romancista imprime em seu texto a combinação de ambos os condicionamentos, sem “ tertius infictione non datur ” (Candido, 2004, p. 33), isto é, sem admitir uma terceira via. Como exemplo disso, Vieira Júnior, autor de Torto Arado (2019), em entrevista à Revista Versatille 2 e ao El País 3 De acordo com os fragmento das entrevistas, é possível ter a clareza que Torto Arado (2019) não possui apenas um teor verossímil e que essa verossimilhança, como qualquer outra, só foi possível em fevereiro e em abril de 2021, dentre outras entrevistas já realizadas, afirmou a escrita dessa obra específica começou em sua adolescência. Ele disse o seguinte: Escrevi a primeira versão aos 16 anos. Tinha terminado de ler obras de escritores do Nordeste, da geração de 1930 e 1940, e fui profundamente influenciado. Meu pai me deu uma máquina de escrever e comecei a construir a história. Cheguei a produzir 80 páginas, mas elas se perderam em uma mudança. A retomada do projeto aconteceu no meu reencontro com o campo, quando comecei a trabalhar na área e vi um Brasil contraditório. Cidades modernas e um campo tão arcaico, dominado pela violência dos senhores, dos proprietários de terra contra os trabalhadores. A história mudou muito nesse meio-tempo, mas o mote da relação de duas irmãs com a terra permaneceu, e o título também (Versatille, 2021). E O baiano Itamar Vieira Junior tinha 16 anos quando começou a escrever Torto arado (Todavia), que ganhou nesta quinta-feira o Prêmio Jabuti de melhor romance, e suas protagonistas tinham outras identidades [...] “A gente fala do sertão, do semiárido, parece que se trata de uma coisa só, mas o sertão da Chapada tem uma regularidade de chuva, uma diversidade de paisagem, de mato, que salta aos olhos”, conta Vieira Junior, hoje com 41 anos, ao EL PAÍS, por telefone (El País, 2021; grifo nosso). 2 Ver entrevista completa em: https://versatille.com/torto-arado-e-uma- historia-sobre-o-desejo-de-liberdade-diz-itamar-vieira-junior/ 3 Ver entrevista completa em: https://brasil.elpais.com/cultura/2020- 12-02/tudo-em-torto-arado-ainda-e-presente-no-mundo-rural-brasilei ro-ha-pessoas-em-condicoes-analogas-a-escravidao.html com o próprio amadurecimento do autor e de sua escrita, ou seja, o observador literário e o seu fazer literário em formato de obra literária só alcançou tal consistência material a partir do geografo, servidor público do INCRA e posteriormente, doutorando em Relações Étnico Raciais pela Universidade Federal da Bahia, onde ele aprimorou os estudos etnográficos e estreitou em seu texto a relação entre Antropologia e Literatura, assim como o fazer etnográfico e o fazer literário, atingindo a sua grandeza literária (Candido, 2004), alcançada em seu romance realista pela redução a um dos ângulos condicionados a sua própria consciência e ultrapassou o que Candido (2004) também vai chamar de subjetivismo adolescente e adolescência literária. A escrita etnográfica, segundo Nesimi (2019), “envolve um corpus textual mais amplo que a etnografia em si, produzida pelo antropólogo após determinado período da pesquisa. Nessa perspectiva, é fundamental evidenciar as modalidades escriturárias que compõem a etnografia direta ou indiretamente” (Nesimi, 2019, p. 109), em outras palavras, a autora esclarece que o corpus textual, isto é, a escrita etnográfica é algo muito maior que a própria etnografia, que por excelência é um método utilizado na Antropologia, mas que se estendeu a outras áreas das Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, tecnológicas, chegando à Literatura. Nesimi (2019) destaca ainda que para a realização da etnografia de modo a compor um corpus textual, a instrumentalização básica é o diário de campo e as notas do diário de campo e que a escrita da cultura do outro está correlacionada com a descrição e a narração da intersubjetividade construída a partir, sobretudo, da autoridade do antropólogo, da noção de ficção e de verdade. Logo, chamamos a atenção para a narrativa e para a descrição como elementos essenciais na estruturação do texto que culmina no corpus como um produto do etnógrafo. Não sendo esse ainda um produto final, mas parte consistente do mesmo que precisará de um refinamento científico. Uma vez que, de acordo com Benjamin (1985), a descrição identifica os fatos e a narrativa os organiza. Walter Benjamin em ‘O Narrador’ (1985), afirma que “a experiência que passa de pessoa a pessoa é a fonte a que recorrem todos os narradores. E, entre as narrativas escritas, as melhores são as que menos se distinguem das histórias orais contadas pelos inúmeros narradores anônimos” (Benjamin, 1985, p. 198), e nesse sentido, o narrador, nas histórias que conta, recorre ao acervo de experiências de vida, tanto as suas, algo que, à luz de Émile Durkheim (1995), consideramos ser a consciência individual e consciência coletiva, como as experiências relatadas por outros (escritas sobre a cultura do outro). Em síntese, por ora, o ‘fazer-se’ literário segue em busca de mais referenciais e confessamos até que tal tópico não fazia parte de nossa intenção, mas vimos The Mythical, Political, and Poetic Crossroads: The Ethnographic Writing of Itamar Vieira Junior in Torto Arado Global Journal of Human-Social Science ( G ) XXV Issue III Version I Year 2025 40 © 2025 Global Journals

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