Global Journal of Human Social Science, G: Linguistics and Education, Volume 25 Issue 3

de filho». Falou também que eu estava para correr o mundo a cavalo, animal que nossa família não tinha, o que me deixou ainda mais atordoada. Que tudo iria mudar. E a sentença que permaneceu mais exata em minha memória e resistiu aos golpes que minha vida sofreria nos anos vindouros foi que «de seu movimento virá sua força e sua derrota». A voz estava tão fraca que só eu pude escutar o que dizia (Vieira Júnior, 2019, p. 70). No fragmento exposto, também se encontra a resposta da terceira questão, isto é: quais são os tipos de histórias que podem ser contadas a partir de relacionamentos entre indivíduos provenientes de sistemas culturais diferentes?, tanto os praticantes do jarê quanto os encantados, tem espaço na literatura e na etnografia, ainda que para esta segunda, não seja possível de explicar (mensurar) da forma como o não ficcional coloca, uma vez que ao utilizar a etnografia para pesquisar sobre o jarê, Banaggia (2015), em sua tese ‘As forças do Jarê: religião de matriz africana da Chapada Diamantina’, se recusa a coletar dados dos próprios ‘encantados’ e explica o porquê, mais do que se postular a irredutibilidade de determinados fenômenos, o princípio de irredução ao qual faço referência pode ser melhor definido como uma alternativa ao recurso à transcendência, sugerindo “um recuo frente a essa pretensão de saber e de julgar”: o princípio de irredução é assim duplo, já que pode recusar o automatismo tanto das redutibilidades ligeiras como das impossibilidades de comparação, das tentativas de reduzir dois termos à incomensurabilidade (Stengers 1993: 26-27; Serra 1995: 85; Latour 2005: 107, 137). (Banaggia, 2015, p. 284). O autor afirma ainda que [...] não se trata simplesmente de existirem ou não existirem, mas de existir com mais ou menos intensidade, num gradiente que vai das forças mais potentes e perenes às que terminam por desaparecer, quiçá por completo [...] aproximar a composição do texto à estrutura de um altar de jarê, uma construção da qual fazem parte elementos a princípio díspares, mas que acabam sendo postos em contato de forma criativa e com determinados objetivos. (BANAGGIA, 2015, p. 253 - 300). O que Banaggia (2015) coloca em tela é que na etnografia como um método científico, a ética e o rigor cientifico, sobretudo indistinta do pesquisador, limita e delimita a composição de um texto etnográfico, uma vez que tal texto, é o resultado de todo o processo de coleta, tratamento e refinamento de dados, ou seja, um documento científico, algo distinto de um texto literário que a partir da ‘licença poética’ permite ao o escritor o livre arbítrio de criar. Algo acentuado inclusive por Matte Braun (2012), quando afirma ser a etnografia, enquanto campo de estudo de outras culturas, de certo modo sempre esteve presente na história da literatura ocidental. Pode-se dizer que tais relações acentuam-se especialmente a partir do século XV, quando os europeus passaram a circular por todos os continentes habitados do planeta. O ato de deparar-se com um sujeito proveniente de um sistema cultural completamente estranho, observá-lo e, a partir dessa experiência, escrever um texto, pode ser considerado tanto etnografia quanto literatura: a diferença estaria, justamente, no fato de a etnografia não poder ser um relato ficcional. (Matte Braun, 2012, p. 121-122). Para a etnografia, de acordo com Matte Braun (2012), apenas Histórias, em outras palavras, o não ficcional e para a literatura ‘Histórias, histórias e estórias’, ou seja, o livre-arbítrio. Algo que pretendemos explorar melhor nos próximos momentos do texto. IV. O N ão - F iccional em T orto A rado “A cultura pode ser vista como um texto.” - Clifford Geertz - Com a perspectiva de analisar elementos não - ficcionais etnografados identificados na obra, ou seja, as evidências etno – literárias que tiveram como ponte Itamar Vieira Júnior enquanto tradutor – escritor, que é o que para nós, ocupa o espaço do não literário em Torto Arado (2019), propomos continuar algumas de nossas reflexões dando um relevo maior aos fragmentos do texto literário intercalados à referenciais específicos. A compreensão realizada até agora é a de que, ainda que o autor derive a forma literária de sua experiência subjetiva imediata, está só se constitui sobre o esqueleto social que a encerra e nesse sentido, segundo o próprio autor, Itamar Vieira Júnior em entrevistas concedidas, conforme fontes já citadas, ressalta que tanto sua tese de doutorado e como pesquisador do INCRA, ele utilizou o método etnográfico e esses dois momentos serviu de inspiração para a composição de Torto Arado (2019). Como pesquisador de campo do INCRA, conhece a chapada Diamantina a mais de 10 anos e das 293 páginas de sua tese, o jarê é citado 226 vezes, que ele define, em nota de rodapé, como “um conjunto de micro crenças que possui elementos do catolicismo rural do Nordeste Brasileiro, da umbanda e do espiritismo kardecista” (Vieira Júnior, 2017, p. 64) e complementa na mesma nota ressaltando que um dado importante é que o jarê ocorre quase que exclusivamente na região da Chapada Diamantina (BANAGGIA, 2015, p. 292) e “trata-se de uma variante do “candomblé de caboclo”, culto no qual os deuses yorubas ou orixás foram em grande medida assimilados a uma classe genérica de entidades nativas, os caboclos, considerados como índios ou descendentes de índios. Nesse sentido, o jarê representa uma vertente menos ortodoxa do candomblé, resultante de um complexo processo de fusão onde à influência dos cultos Bantu- Yoruba” (Vieira Junior, 2017, p. 64). O etno – literário, Itamar Vieira Júnior (2019), ao selecionar a narradora Bibiana, dentre outras vozes de nativos de Água Negra, ‘habitantes’ da Caxangá e adjacências, região do sertão da chapada (velha) para falar pela primeira vez sobre o jarê - citado 50 vezes ao longo da obra - em nosso ver, assim o faz porque o esse academcvs (ser acadêmico) conhece o limite da The Mythical, Political, and Poetic Crossroads: The Ethnographic Writing of Itamar Vieira Junior in Torto Arado Global Journal of Human-Social Science ( G ) XXV Issue III Version I Year 2025 43 © 2025 Global Journals

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