Global Journal of Human Social Science, G: Linguistics and Education, Volume 25 Issue 3

ética científica e como um não praticante da crença, é um ser delimitado. Delimitação está que nos parece ter levado para o seu esse literatvs (ser literário), que tem licença poética, mas não assumiu a função de um personagem. Por isso, dentro de sua vista privilegiada, semelhante à de um etnógrafo, vista que ele também conhece bem, ‘criou – selecionou’ informantes e, intersubjetivamente, construiu um texto literário. Nos fragmentos (‘a’ e ‘b’) a seguir, narrados por Bibiana, chamamos a atenção para dois momentos da escrita do autor, qual elucidaremos mais à frente, são eles: a) Eram famílias que depositavam suas esperanças nos poderes de Zeca Chapéu Grande, curador de jarê, que vivia para restituir a saúde do corpo e do espírito aos que necessitavam. b) Desde cedo, havíamos precisado conviver com essa face mágica de nosso pai. (Vieira Junior, 2019, p. 27). O primeiro momento a ser elucidado, o ‘a’, possui uma descrição de quem conhece bem do ponto de vista interno a função de um curador de jarê, algo confirmado pelo fragmento ‘b’ e o mesmo exercício reflexivo pode ser feito nesse outro fragmento: foi na noite de Santa Bárbara, em dezembro, e meu pai, apesar de suas obrigações nas brincadeiras do jarê, havia acordado mal humorado, com respostas lacônicas às perguntas que lhe faziam. Só os mais próximos, como nós, sabíamos o porquê do desconforto visível em seus gestos. No fim da tarde, dona Tonha trouxe, numa caixa antiga, adornos de encantada que meu pai vestiria à noite, depois da ladainha, e à medida que os espíritos chegassem e lhe tomassem o corpo para se fazerem presentes. Na caixa estavam guardadas as roupas de Santa Bárbara, Iansã, a dona da noite, lavadas e passadas desde a última vez em que Zeca a havia vestido. A repulsa pelas vestes era tanta que a roupa não era guardada no quarto dos santos como as demais, mas na casa de Tonha, ela mesma cavalo para a encantada nas noites de jarê. (Vieira Júnior, 2019, p. 53). A descrição densa (Geertz, 2008) sobre os fatos narrados de uma crença que não é fictícia denuncia o etnógrafo Itamar Vieira Junior, o esse academicvs , em nosso ver, porque para a Antropologia, as etnografias são bens preciosos (Peirano, 1995) pois são nelas que estão reflexões experienciadas e intersubjetivas sobre a cultura do ‘outro’ e que assim como Malinowski (Candido, 2006), Bosi (2015) também via a cultura como uma totalidade conectada diretamente com a experiência do viver, sentir e refletir sobre as próprias experiências e dessa vez, no relato de experiência de Belonísia, é descrito um ato de intolerância religiosa, mas dessa vez, a mesma narrativa informa que Santa Rita Pescadeira, uma nativa dos encantados, foi vítima de tal violência. Eis o que consta na narrativa: muitos filhos da casa o haviam colocado para fora depois de uma bebedeira. O motivo era a encantada de dona Miúda, a tal Santa Rita Pescadeira, a mesma que de vez em quando surgia no jarê de meu pai . Depois de chegar à casa de Valmira, a encantada passou a ouvir ofensas de Tobias, duvidando de sua existência, incitando que mostrasse seus poderes, dizendo que a própria Valmira era uma farsa, que nada daquilo existia. Por várias vezes a curadora havia intervisto para fazer com que cessasse de dizer as asneiras. Sem recuar ou se desculpar, Tobias recebeu uma única sentença, proferida pela própria encantada montada no corpo de dona Miúda. Palavras que ninguém escutou, nem mesmo Valmira, somente ele. «Mas ele continuou a desfazer da encantada», disse Maria Cabocla, «e agora não se espante se alguma desgraça se abater sobre sua casa». (Vieira Júnior, 2019, p. 121). Citada treze (13) vezes em toda obra, Santa Rita Pescadeira, uma das vozes que aparecem no romance polifônico, ganha um volume ainda maior no terceiro e último capítulo do livro - Rio de Sangue - pois assume ali a função de protagonista – narradora, por isso que mais uma vez ressaltamos que o universo literário trabalha com a verossimilhança e a Antropologia é uma ciência que trabalha com uma escrita não ficcional, sobretudo no texto etnográfico, seu bem maior. Logo, a terceira narradora, Santa Rita Pescadeira, não é, para a Antropologia, apenas um ser literário, mas um fenômeno real, enraizado nas crenças e práticas de um povo. Na perspectiva de Banaggia (2015), trata-se de uma experiência imensurável, que escapa às categorias formais da escrita científica. No entanto, para a Literatura, Santa Rita encontra abrigo no campo das possibilidades graças à licença poética, que permite a inscrição do sagrado, do mítico e do invisível. Essa inscrição literária, porém, não é neutra nem gratuita — ela depende do gesto literário que emerge, como propõe Lélia Gonzalez (1984), de uma encruzilhada epistemológica onde se cruzam o ser, os saberes, as experiências subjetivas e as materialidades objetivas do mundo. V. A E ncruzilhada C omo C ategoria S imbólica, E pistemológica e a L iteratura C omo M ediação S ocial A encruzilhada se afirma como uma categoria simbólica e epistemológica fundamental, especialmente nas tradições de matrizes africanas, onde representa o espaço do encontro entre mundos, saberes e temporalidades. Para Lélia Gonzalez (1988), a encruzilhada é um lugar de interseção e transformação, um espaço onde o diálogo entre opostos — como o masculino e o feminino, o ancestral e o contemporâneo, o material e o espiritual — possibilita a criação de novos sentidos e práticas de resistência cultural. Essa categoria não é apenas simbólica, mas profundamente epistemológica, pois revela modos de conhecer e estar no mundo que desafiam a lógica hegemônica ocidental, propondo The Mythical, Political, and Poetic Crossroads: The Ethnographic Writing of Itamar Vieira Junior in Torto Arado Global Journal of Human-Social Science ( G ) XXV Issue III Version I Year 2025 44 © 2025 Global Journals

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